sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Ainda bem que a arte me salva




Naquela mesa, daquele restaurante chiquérrimo, eu te olhava gesticulando e falando de como o dinheiro é importante, que o dinheiro compra tudo.
Eu sou uma artista e consequentemente não sou uma alienada; sei que o dinheiro compra e resolve muitas coisas, adoro ter dinheiro. Mas enquanto você falava percebi que não era mais você que dominava o querer, o ter, o exibir. Era o dinheiro que te escravizava nitidamente e ainda escraviza.
O ambiente refinado ficou pesado pra mim, eu continuava me sentindo sozinha mesmo com todos aqueles garçons à minha disposição, sorrindo forçadamente porque é assim que funciona quando você está num lugar que rola muita grana.
E as amizades também são forçadas porque precisa ter grana para andar com aquelas pessoas que você julga muito importante, mas que na verdade estão perdidas, tristes e sem afeto por você – elas querem (PRECISAM) de aceitação e por isso falam sem parar do relógio importado, o carro do ano, do terno cujo valor eu lançaria uns dois livros independentes (viu como eu sei como utilizar o dinheiro também?).
Fiquei estática, reflexiva, confusa e pensava que de fato tinha algo errado comigo porque eu não tenho essa necessidade de exibição material, sou extremamente discreta e acho cafona demais.
O tempo passou depois daquela noite tenebrosa, e aos poucos eu fui montando um quebra cabeça simples, vi que não existe nada de errado com meu jeito de ver e VIVER a vida. E tive a oportunidade de voltar em outro restaurante, agora sim com gente IMPORTANTE, mas que me deixaram tão à vontade, que me fizeram rir e foi ali que percebi o que é finesse.
O dinheiro pode comprar muitas coisas, mas nunca irá comprar o carinho de uma pessoa, o afeto, a amizade.
O dinheiro pode comprar muitas coisas, mas NUNCA comprará um protagonista, um leitor que te recebe em casa, uma amiga que vai te acompanhar numa palestra lotada para estudantes numa Faculdade durante uma Feira de Profissões porque você está nervosa e com medo e essa mesma amiga diz: " não desce do carro, eu vou ver com o segurança se tem um lugar melhor pra você estacionar ".
O dinheiro pode comprar muitas coisas, mas nunca comprará a amizade de uma pessoa que sai da casa dela para ir almoçar com você no shopping porque está a passeio na cidade dela ou uma amiga que sempre te convida para almoçar porque, sei lá, gosta de conversar com você. Ou numa sexta-feira ser convidada pelo seu amigo-diretor de teatro para assistir filmes que foram exibidos em Cannes e se você não for rola barraco porque é amizade louca.
Não compra a lealdade de amigas (os) que mesmo sob um sol de 40°C vão te prestigiar numa mesa redonda e ficam conversando que até estourar o horário.
O dinheiro pode comprar muitas coisas, mas eu te garanto que nunca comprará TALENTO, AFETO, CARISMA E BELEZA (algo como VÊNUS).




sábado, 5 de dezembro de 2015

Lacunas

Ao ler sobre o falecimento de Marília Pêra, lembrei que interpretou Coco Chanel no teatro com o texto da Maria Adelaide Amaral, cujo livro do monólogo dormiu ao meu lado com outro livro, só que de ficção.
Eu ficava e fico relendo as falas e pensando como Marília interpretava, as nuances, os silêncios, o entendimento do texto e a complexidade de Coco Chanel.
Um grande talento foi embora e me deixa triste. Mas também fico triste porque poucos talentos surgem para suprir as lacunas que essas grandes atrizes deixam.
Eu gosto dessa gente que vem do teatro, do palco, dos ensaios exaustivos, do ódio que sentem do diretor, do amor que sentem pelo diretor, do estudo, da entrega. Vejo pouco, vejo quase nada. O que vejo são pessoas pisando no palco sem leveza ( sim, precisa ter leveza ao pisar no sagrado ), o que vejo não me agrada, o que vejo não é teatro e nunca será.
Vi poucos atrizes e atores em cena com o subtexto martelando em sua emoção controlada; mas também vi consciência da totalidade da peça num olhar fixo, vi composição de personagem e muita desconstrução para colocar-se diante de uma platéia com todo o respeito que merecem.
Fernanda Montenegro disse numa entrevista que existem artistas, mas atores são poucos.
Eu que amo o drama, amava ver Marília em Pé na Cova. Sim, eu gosto da redação final do Miguel.
Sentirei saudades.



quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Praia Grande-Santos

Hoje eu senti saudades de ir até à padaria de chinelo, calça jeans, cabelo preso e sem maquiagem como fiz nos últimos dias.
Saudades do café e do queijo quente. E lembrei que a dona disse: " - Boa viagem, volte aqui mais vezes ", e que esqueci de falar tchau para o mocinho que me atendia todos os dias.
Lembrei da moça que dividiu seu guarda chuva comigo na orla naquela segunda-feira chuvosa em Santos e que caminharmos juntas até a Galeria perto do Shopping até ela dizer: - " Tchau, moça ! "
Depois comecei a rir e lembrei também de um menininho que durante o trajeto Santos-Praia Grande disse: " - Você sabia que essa avenida pode explodir ? Tem gás que passa por baixo ". Justo pra mim que tenho síndrome do pânico ( risos ).
Do mocinho que me ajudou com a mala, do cara que vai todas as noites na rodoviária da Praia Grande alimentar os cachorros que ficam por lá e que valeu meu dia, minha noite. Rindo lembrei do moço ao meu lado que disse: " Não chora, porque eu já estava chorando primeiro ! Qual é o seu nome ?
E ficamos conversando(...)
Eu vi muita gentileza esses dias, não sei se é assim com todos, mas eu tenho uma certa sorte que me acompanha e uma saudades das coisas e dos lugares também.
"Nós no comboio a que chamamos a vida
Somos todos casuais uns para os outros,
E temos todos pena quando por fim desembarcamos..."
Saí do comboio,
Disse adeus ao companheiro de viagem
Tínhamos estado dezoito horas juntos..
A conversa agradável
A fraternidade da viagem.
Tive pena de sair do comboio, de o deixar.
Amigo casual cujo nome nunca soube.
Meus olhos, senti-os, marejaram-se de lágrimas...
Toda despedida é uma morte...
Sim toda despedida é uma morte.
Nós no comboio a que chamamos a vida
Somos todos casuais uns para os outros,
E temos todos pena quando por fim desembarcamos.
Tudo que é humano me comove porque sou homem.
Tudo me comove porque tenho,
Não uma semelhança com ideias ou doutrinas,
Mas a vasta fraternidade com a humanidade verdadeira.
A criada que saiu com pena
A chorar de saudade
Da casa onde a não tratavam muito bem...
Tudo isso é no meu coração a morte e a tristeza do mundo.
Tudo isso vive, porque morre, dentro do meu coração.
E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro.
[Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa]
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